Nos dias 21 e 22, a programação inclui fórum sobre trabalho infantil, minicurso de direitos humanos e ação comunitária na Aldeia Canauanim
Com o objetivo de promover reflexões sobre trabalho, sociedade, sustentabilidade e direitos humanos junto aos povos indígenas e migrantes, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) realiza, a partir desta segunda-feira (20), o IX Seminário Roraimense de Direito e Sociedade, em Boa Vista (RR). A programação se estende até quarta-feira (22) e inclui o 1º Fórum de Debates sobre o Trabalho Infantil de Indígenas e Migrantes, além de uma ação comunitária na Aldeia Canauanim, localizada no município de Cantá, na região leste de Roraima. A ação é realizada por meio da Escola Judicial do TRT11 (Ejud11) e do Programa de Combate ao Trabalho Infantil do Tribunal, reunindo representantes dos povos indígenas, entidades de direitos humanos, integrantes do sistema judiciário, universidades e membros da sociedade civil.
O primeiro dia do evento contou ainda com um balcão de empregabilidade, voltado à orientação profissional e ao encaminhamento de indígenas, migrantes e público geral ao mercado de trabalho. A ação teve como foco a inclusão produtiva e o fortalecimento da autonomia econômica dessas populações, com apoio de instituições parceiras, como o Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Boa Vista.
Durante a abertura do seminário, o desembargador David Alves de Melo Junior, vice-presidente no exercício da presidência do TRT-11, destacou a importância da escuta ativa dos povos originários como caminho para garantir trabalho digno e seguro. “Os ouvidos da Justiça precisam ouvir os povos originários para que eles tenham garantias de um trabalho digno e seguro”, disse.
Já a desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, diretora da Ejud11, realizou um discurso marcado pelo compromisso com a defesa dos povos originários e da Amazônia. Diante de autoridades do Judiciário, representantes do Ministério Público, da advocacia, lideranças indígenas e educadores, ela assegurou que o seminário ultrapassa os limites acadêmicos e institucionais, configurando-se como um verdadeiro ato de resistência e esperança. “É ponte entre a Justiça e a floresta, entre o Estado e os povos que dele sempre fizeram parte, mesmo quando foram esquecidos”, afirmou. A diretora da Ejud11 também reforçou que o respeito às culturas originárias e à dignidade do trabalho são direitos fundamentais garantidos pela Constituição, e não concessões. Durante sua fala, ela exibiu um vídeo que fortalece o compromisso com a defesa dos povos originários e da Amazônia. VEJA AQUI.
O vice-reitor da Universidade Estadual de Roraima (UERR), Edson Damas da Silveira, que também atua como membro consultor da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da OAB, destacou o papel estratégico do estado na formulação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas e migrantes. Com base nos dados do Censo 2022, ele ressaltou que Roraima é, proporcionalmente, o estado mais indígena do Brasil, com 15,29% da população se autoidentificando como indígena.
“Essa realidade torna o estado um verdadeiro laboratório das políticas indígenas para o restante do Brasil”, afirmou. Damas também abordou o impacto da migração venezuelana na composição demográfica local, lembrando que Roraima é o estado com o maior percentual de população formada por estrangeiros, com 12,84%. Segundo o vice-reitor, esse cenário reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à diversidade étnica e à inclusão social.
Painéis
O IX Seminário Roraimense contou com três painéis no primeiro dia. No painel “Realidade Amazônica da vida, trabalho e meio de subsistência”, a liderança indígena Vanda Witoto destacou sua vivência no Parque das Tribos, comunidade em Manaus que abriga mais de 700 famílias indígenas fora de territórios oficialmente demarcados. Segundo ela, cerca de 70% da população indígena vive hoje fora desses territórios, o que exige políticas públicas que contemplem os indígenas também fora da floresta. Com base na PNAD Contínua do IBGE, Vanda apresentou dados que mostram que a população indígena tem a menor taxa de participação no mercado de trabalho, a segunda maior taxa de desemprego, o maior índice de informalidade, baixa escolaridade e condições de moradia que agravam ainda mais sua vulnerabilidade. “Estamos em vários espaços, antes de serem cidades, esses territórios são constituídos a partir do território ancestral indígena. Nossos corpos continuam nos centros urbanos porque nossos corpos foram empurrados para as periferias”, enfatizou.
Ela também denunciou o estigma social que obriga indígenas a esconderem sua identidade para acessar oportunidades. “Quando vamos para o mercado de trabalho temos que esconder nossa história, por conta do estigma social, de povo preguiçoso. Por exemplo, quando uma mulher quer ser uma empregada doméstica, trabalho que acabamos sendo submetidas, ela tem que esconder essa sua trajetória.”
Já a desembargadora Vilma Leite Machado Amorim, diretora da Escola Judicial do TRT20, abordou a vulnerabilidade da população em situação de rua, com destaque para mulheres e crianças indígenas e Yanomami. Segundo dados do CadÚnico (ObservaPopRua/PUC-MG, 2022), mais de 385 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil. A magistrada destacou que esse cenário exige atenção especial do sistema de justiça, sobretudo diante das barreiras enfrentadas por essas populações para acessar direitos básicos.
Em seguida, Paulo de Tarso Lugon Arantes, jurista e ativista climático, defendeu a Convenção 169 da OIT como instrumento essencial para garantir os direitos dos povos indígenas. Ele ressaltou a importância de repensar as relações de trabalho, combater o trabalho infantil e conectar justiça social à preservação ambiental. Segundo ele, a demarcação de territórios indígenas é uma das contribuições mais efetivas que o Estado brasileiro pode oferecer para enfrentar o aquecimento global.
Já o Procurador-Geral de Contas do Ministério Público de Contas do Estado de Roraima (MPC/RR), Paulo Sérgio Oliveira de Sousa, a importância da atuação dos órgãos de controle na proteção dos direitos de populações indígenas e migrantes. Ele apontou desafios graves como a invasão de garimpeiros, mais de 20 mil em 2023, contaminação por mercúrio em rios e alimentos, desnutrição, doenças endêmicas, violação de direitos e omissão institucional. Diante desse cenário, Paulo Sérgio reforçou a necessidade de fortalecer a atuação conjunta entre o MPC, o Ministério Público Federal e a Funai, como estratégia para enfrentar essas crises. Entre os caminhos possíveis apresentados, estão o fortalecimento de cadeias sustentáveis indígenas, incentivo a agroflorestas e turismo de base comunitária, garantia de acesso à saúde e educação intercultural, e o reforço da fiscalização por parte dos órgãos de controle.
O segundo painel, intitulado “Floresta de Pé: Meio ambiente protegido e garantias dos povos indígenas e tribais”, reuniu importantes vozes na defesa dos direitos dos povos originários e da preservação ambiental. A professora indígena e historiadora Roseane Cadete Fidelis trouxe reflexões sobre educação, ancestralidade e o papel das comunidades indígenas na proteção da floresta; o professor Edson Damas da Silveira abordou os marcos legais que sustentam esses direitos; e o procurador regional do Ministério Público do Trabalho, Jorsinei Dourado do Nascimento, tratou das garantias trabalhistas e da proteção contra violações. Também participou o promotor de Justiça André Paulo Pereira, do Ministério Público. A mediação foi conduzida pelo juiz Igo Zany Nunes Correa, vice-diretor da Ejud11, e pelo advogado Vanderson Cadete Wapichana, membro da Comissão dos Direitos Indígenas da OAB/RR, que lideraram o debate com seriedade e compromisso institucional.
Encerrando o primeiro dia de atividades, o terceiro painel “Violência e discriminação contra os povos originários: o papel do sistema de justiça” trouxe reflexões sobre os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas diante da exclusão institucional e das violações de direitos. O desembargador Almiro Padilha, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Roraima, destacou o papel do Judiciário na promoção da equidade e no enfrentamento da discriminação. Lícia Catarina Coelho Wapichana, presidente da Comissão de Defesa dos Povos Indígenas da OAB/RR, abordou os avanços e entraves na luta por reconhecimento e Justiça. Kelliane Wapichana, Tuxaua Geral do Movimento de Mulheres Indígenas, e Telma Taurepang, liderança atuante, compartilharam relatos sobre a resistência feminina e a urgência de políticas públicas voltadas à proteção dos corpos e territórios originários. A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, falou dos desafios enfrentados e do trabalho à frente da Funai. A mediação ficou a cargo do juiz Ney Silva da Rocha, presidente da AmatraXI, e da deputada estadual Ângela Águida Portella.
Programação
A programação segue com atividades nos dias 21 e 22 de outubro, voltadas à promoção dos direitos humanos, à escuta ativa dos povos indígenas e ao fortalecimento institucional. Nesta terça-feira (21), pela manhã, será realizado o 1º Fórum de Debates sobre o Trabalho Infantil de Indígenas e Imigrantes, na sede da OAB/RR, das 8h30 às 11h30. Em seguida, dois painéis abordarão os desafios do combate ao trabalho infantil na Amazônia e as ações de proteção integral às crianças e adolescentes indígenas e migrantes. Na parte da tarde, o jurista Paulo de Tarso Lugon Arantes ministrará um minicurso sobre Direitos Humanos e a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados.
Encerrando a programação, no dia 22 de outubro, a Escola Judicial do TRT11 promoverá uma edição itinerante na Comunidade Indígena Canauanim, no município de Cantá. A atividade contará com uma roda de conversa com escuta ativa dos povos indígenas e a assinatura de uma Carta de Intenções. Participarão da ação lideranças indígenas, representantes da Justiça do Trabalho, do Ministério Público, da OAB/RR, da Funai e de outras organizações.
Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Jonathan Ferreira
Fotos: Renard Batista