Evento contou com a presença de representantes da Justiça, lideranças indígenas, representantes de comunidades quilombolas, do movimento afro-amazônico e público geral
Com o objetivo de promover reflexões sobre os impactos das mudanças climáticas nas relações e condições de trabalho, especialmente entre povos originários e comunidades tradicionais, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) realizou, na sexta-feira (12), o seminário “Os Desafios do Trabalhador Amazônico Frente às Mudanças Climáticas da Região Amazônica”. O evento contou com a presença de lideranças indígenas, representantes de comunidades quilombolas e do movimento afro-amazônico, destacando a importância de ouvir os grupos mais afetados pelas transformações ambientais.
Durante a abertura do seminário, o presidente do TRT-11, desembargador Jorge Alvaro Marques Guedes, enfatizou a relevância do evento diante dos desafios enfrentados pelos trabalhadores amazônicos em meio às mudanças climáticas. “A Amazônia, reconhecida mundialmente como patrimônio da humanidade, não é apenas um espaço de biodiversidade, mas também o território onde milhões de trabalhadores dependem diretamente da natureza para sobreviver”, afirmou.
Já o desembargador Audaliphal Hildebrando da Silva, gestor regional do Programa Trabalho Seguro, ressaltou que o seminário busca promover reflexões sobre a relação entre meio ambiente, condições de trabalho e a proteção dos povos da Amazônia. “Queremos pensar caminhos que garantam proteção social, geração de trabalho digno e sustentável, bem como políticas públicas”, disse.
A programação foi composta por três mesas temáticas: “Direitos Fundamentais e Proteção Ambiental na Amazônia”, “Políticas Institucionais e Trabalho Decente na Amazônia” e “Povos Originários, Comunidades Tradicionais e Desmatamento na Amazônia”. As discussões reuniram representantes da Justiça, professores e lideranças indígenas, quilombolas e afro-amazônicas, com foco nos desafios enfrentados diante das mudanças climáticas.
Lançamento de cartilha
Lançamento da segunda edição do Manual do Trabalhador Amazônico
O seminário contou ainda com o lançamento da segunda edição da cartilha “Manual do Trabalhador Amazônico”, intitulada O Gato, que aborda o aliciamento de trabalhadores em condições análogas à escravidão, prática ainda recorrente na região. A publicação foi apresentada pelo presidente do TRT-11, desembargador Jorge Alvaro, e pelo gestor regional do Programa Trabalho Seguro, desembargador Audaliphal Hildebrando. Durante o lançamento, o presidente do TRT-11 sublinhou a importância da obra e lamentou a persistência de práticas abusivas no mundo do trabalho. “É lamentável que ainda tenhamos que falar em trabalho escravo e trabalho inseguro. Mas, se depender de nós e de todos os que estão presentes hoje, iremos, com certeza, minorar essas estatísticas na nossa região”, atestou.
Direitos Fundamentais e Proteção Ambiental na Amazônia
A desembargadora do TJAM Vânia Maria do Perpétuo Socorro Marques Marinho, abordou o tema “Responsabilidade Civil e Penal por danos ao meio ambiente”, e explicou que a responsabilização ambiental, nas esferas civil, penal e administrativa, antecede a Constituição de 1988, mas foi consolidada como direito fundamental no artigo 225. Segundo ela, “a proteção ambiental deixou de ser apenas uma obrigação do poder público e passou a ser responsabilidade de toda a sociedade”, sendo orientada por princípios como prevenção, poluidor-pagador e responsabilidade intergeracional, especialmente diante dos efeitos das mudanças climáticas sobre a Amazônia.
Já a procuradora regional do trabalho Ana Cláudia Nascimento Gomes, do MPT da 3ª Região (MG), compartilhou a experiência na atuação do caso Brumadinho para refletir sobre os impactos das mudanças climáticas na Amazônia e a proteção dos trabalhadores. Ela ressaltou a eficiência da Justiça do Trabalho na reparação dos danos, com um acordo celebrado após o desastre, garantindo indenizações robustas e reconhecimento do “dano morte”. Segundo Ana Cláudia, esse caso deve servir como parâmetro para futuras ações envolvendo danos ambientais e trabalhistas, especialmente em contextos de vulnerabilidade como o amazônico, onde “se não dói no bolso, não há investimento em prevenção”.
Primeira mesa do seminário com o tema "Direitos Fundamentais e Proteção Ambiental na Amazônia"O juiz do Trabalho do TRT-11, Sandro Nahmias Melo Júnior, refletiu sobre os impactos das mudanças climáticas na vida do trabalhador amazônico, ressaltando a vulnerabilidade e invisibilidade diante da falta de políticas públicas. Ao citar o exemplo dos coletores de açaí que sobem até 20 metros com o auxílio de uma peconha, evidenciou a precariedade das condições de trabalho na região. “Esse trabalhador sofre de forma injusta, de injustiça ambiental, do racismo ambiental, porque ele não contribui para essa mudança climática e é o mais afetado”, afirmou.
A professora doutora Terezinha de Jesus Pinto Fraga, do PPGCASA/UFAM, abordou os impactos do desmatamento na Amazônia e suas conexões com as mudanças climáticas e as condições de trabalho, destacando que “para o equilíbrio do clima, o desmatamento é o maior crime existente”. Em sua fala, ela ressaltou que a cultura amazônica, baseada na economia ecológica e de subsistência, é frequentemente incompreendida por modelos produtivos externos, e alertou para os riscos da transformação da floresta em moeda de troca no mercado de carbono, sem beneficiar os povos originários que mantêm o território preservado.
Políticas Institucionais e Trabalho Decente na Amazônia
A juíza do Trabalho do TRT-11, Vanessa Maia de Queiroz, mestre em Direito Ambiental pela UEA, atuou como mediadora na segunda mesa do seminário. Em sua intervenção inicial, destacou a importância de ampliar o entendimento sobre o meio ambiente do trabalho, especialmente no contexto amazônico. Segundo ela, esse aspecto costuma ser invisibilizado diante do foco predominante no meio ambiente natural, mas é igualmente protegido pela Constituição e essencial para garantir condições dignas aos trabalhadores. “O meio ambiente tem vários aspectos, inclusive o do trabalho. Embora menos visível, ele também precisa ser equilibrado, protegido e reconhecido como parte essencial da vida do trabalhador.”
Na mesma linha, o desembargador do TRT-8, Paulo Isan Coimbra da Silva Júnior, abordou o subtema “Importância do trabalho seguro na região Amazônica”. Ao tratar da emergência climática e das transformações profundas nas condições laborais da região, ele defendeu a necessidade de reposicionar a atuação da Justiça do Trabalho. Segundo o magistrado, os parâmetros tradicionais já não dão conta da nova realidade imposta pelas mudanças climáticas, e os processos judiciais precisam ser julgados com uma perspectiva atualizada. “Os efeitos das mudanças climáticas sobre os trabalhadores amazônicos são profundos e urgentes”, disse.
Segunda mesa abordou sobre políticas e trabalho decente na Amazônia
A preocupação com a proteção social também esteve presente na fala do juiz do Trabalho do TRT-11, Adelson Silva dos Santos, que tratou do tema “Responsabilidade Objetiva pelo Trabalho Decente”. Ele ressaltou que o conceito de trabalho decente está presente na legislação brasileira desde 1943, com a criação da CLT, e envolve não apenas direitos trabalhistas, mas também acesso à previdência, assistência e segurança. Ao apresentar dados sobre informalidade, alertou para os riscos enfrentados por milhões de trabalhadores sem vínculo formal. “Se há dano, há responsabilidade, mesmo que o trabalhador seja gerente ou assistente. Precisamos pensar como equilibrar esse sistema de proteção com a realidade das empresas. Além da precarização, há terceirização, e é preciso pesar todos os lados”, afirmou.
A articulação entre proteção jurídica e saúde pública foi aprofundada por Maria Socorro Soares, especialista em vigilância em saúde do trabalhador, que participou da mesa “Ações dos Órgãos Públicos Locais para Prevenção de Acidentes e Doenças Ocupacionais”, ao lado de Jean Maximynno Lopes, gestor do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Representando o setor saúde, Maria Socorro apresentou as estratégias adotadas para enfrentar os impactos do trabalho precário na região amazônica. Defendeu que o trabalho decente deve ser compreendido não apenas como um conceito jurídico, mas como um compromisso intersetorial voltado à promoção da dignidade, da segurança e da equidade no ambiente laboral. “A saúde do trabalhador sozinha não vai dar conta, a gente precisa somar esforços.”
Povos Originários, Comunidades Tradicionais e Desmatamento na Amazônia
Terceira mesa reuniu vozes comprometidas com a defesa dos direitos dos povos da AmazôniaEncerrando o evento, a terceira mesa de palestras reuniu vozes comprometidas com a defesa dos direitos dos povos da Amazônia. A mediação ficou sob responsabilidade de Márcio Fernandes Lima da Costa, analista judiciário e servidor da Vara do Trabalho de Coari, que conduziu os debates com atenção às diversas realidades apresentadas.
O juiz do Trabalho do TRT-11, Igo Zany Nunes Corrêa, abriu a rodada abordando o subtema “Atividade do TRT-11 na defesa do trabalho decente na Amazônia”. Destacou o empenho do Tribunal em ações como as itinerâncias, o Manual do Trabalhador Amazônico e os seminários voltados à escuta ativa dos povos indígenas. “O Tribunal como um todo tem se empenhado em não esquecer o trabalhador tipicamente amazonense, seja ele ribeirinho, indígena ou morador de comunidades do interior. A gente quer proporcionar espaços reais de escuta e participação.”
Na sequência, a advogada Inory Kanamari, do povo Kanamari e especialista em direito dos povos indígenas, tratou do subtema “Povos originários, trabalho decente e a Amazônia”. Ela abordou a relação entre os direitos indígenas e os impactos das mudanças climáticas, criticando a ausência de políticas públicas efetivas e o racismo ambiental que afeta principalmente os grupos em situação de vulnerabilidade. “Não existe falar de direito climático sem lembrar que nós. Não tem como falar de direito climático, de povos indígenas, sem falar de territórios indígenas. Nós somos uma trindade: corpo, espírito e território. Isso precisa ser conhecido, reconhecido e respeitado”, enfatizou.
Representando o Quilombo Urbano Barranco de São Benedito, comunidade com 134 anos de resistência, Keilah Silva Fonseca participou ao lado de Cristiano Correa dos Santos, presidente do Instituto Cultural Afro da Amazônia. Juntos, discutiram os efeitos das mudanças climáticas sobre os territórios quilombolas e afro-amazônicos, com destaque para os desafios enfrentados pelas comunidades que dependem da agricultura familiar. “A mudança climática não mexe só com o povo da Amazônia, mexe com uma estrutura toda. Vem a seca, vêm os desastres, tudo se encarece. Somos os primeiros a ser prejudicados. Espero que as ideias e propostas que sugiram aqui mudem esse contexto nos próximos anos”, finaliza.

Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Jonathan Ferreira
Fotos: Roumen Koynov