Lideranças locais e migrantes apresentaram solicitações sobre educação, saúde, proteção à infância e reconhecimento territorial durante edição itinerante da Escola Judicial do TRT-11
Em meio a danças tradicionais e escuta ativa, a Comunidade Indígena Canauanim, situada no município de Cantá, na Região Leste de Roraima, recebeu na quarta-feira (22) a edição itinerante da Escola Judicial (Ejud) do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR). O encontro foi marcado por reivindicações urgentes relacionadas aos direitos dos povos originários. A ação contou com a presença de lideranças indígenas, tanto locais quanto migrantes, e de representantes de diversas instituições comprometidas com a promoção dos direitos humanos e a proteção da infância indígena, como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público de Roraima (MPRR), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Roraima (OAB/RR), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), entre outras organizações.
Durante o encontro, lideranças indígenas como a vice-Tuxaua Tatiana, representante do Tuxaua Helinilson da Comunidade Indígena Canauanim, apresentaram reivindicações diretamente às autoridades, evidenciando questões urgentes da realidade local, como a precariedade da infraestrutura escolar, a ausência de políticas públicas voltadas à saúde mental e a falta de cuidadores para alunos com deficiência. Também foram denunciados casos de trabalho infantil e exploração sexual em áreas de fronteira. As reivindicações serão sistematizadas na Carta de Intenções de Roraima, elaborada pelo TRT-11, com o compromisso de encaminhá-la a tribunais superiores, órgãos do sistema de Justiça e autoridades políticas, como forma de garantir visibilidade, resposta institucional e encaminhamentos concretos às demandas apresentadas pelas comunidades indígenas.
Escuta ativa 
Durante a abertura do encontro, a desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, diretora da Escola Judicial do TRT-11, ressaltou a importância de realizar o evento diretamente no território indígena, como gesto de respeito e aproximação com os povos originários. “A Escola Judicial, da qual sou diretora, se compromete não apenas a ouvir, mas a agir”. A magistrada também destacou que os saberes tradicionais devem ser fortalecidos dentro das próprias aldeias, em suas línguas maternas, como forma de garantir autonomia, identidade e defesa de direitos. Na sequência, o juiz do Trabalho Igo Zany Nunes Corrêa, vice-diretor da Ejud11, reforçou o caráter simbólico da ação ao reconhecer a importância de estar fisicamente presente na comunidade indígena. Zany destacou o compromisso da instituição com o diálogo direto e respeitoso: “Queremos saber como podemos colaborar e cooperar”.
A desembargadora Joicilene Jerônimo Portela, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, chamou atenção para a urgência de enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao reforçar o papel da Justiça do Trabalho na proteção da infância, ela enfatizou que “toda criança é nossa criança. E toda criança merece, da sociedade e de todos os poderes constituídos, prioridade absoluta”.
O promotor de Justiça Márcio Rosa, do MPRR, relembrou uma experiência marcante para mostrar a importância de ouvir com atenção as visões indígenas. Ao ser questionado por um Tuxaua sobre os conceitos ocidentais de infância e adolescência, reconheceu que ideias pré-concebidas podem atrapalhar a atuação do Judiciário nas comunidades. “Percebi que, antes de ensinar, precisamos ouvir. Só assim podemos compartilhar verdadeiramente o que sabemos. Porque há muito mais a aprender do que a ensinar.”
A presidente da Funai, Joênia Wapichana, reforçou a importância do reconhecimento da ancestralidade dos territórios indígenas como ponto de partida para um diálogo verdadeiro com os povos originários. “Terra indígena é terra ancestral, como muito bem disse nossa desembargadora Ruth”, pontuou, destacando que a escuta ativa é essencial para construir soluções coletivas.
Entre os principais pontos levantados, destacam-se a ampliação e qualificação da infraestrutura escolar; o enfrentamento ao trabalho infantil e à exploração sexual; o fortalecimento da saúde mental e da primeira infância; e o apoio às organizações indígenas, com destaque para os grupos de mulheres que atuam voluntariamente nas comunidades. Também foi reiterada a urgência de investimentos estruturais que garantam condições dignas para o ensino e a aprendizagem, respeitando os saberes tradicionais e a realidade dos povos originários. Outro ponto essencial foi o reconhecimento e o apoio aos indígenas migrantes, que enfrentam múltiplas vulnerabilidades e seguem lutando por dignidade, permanência e respeito aos seus direitos.
Migrantes
Um representante do povo Warao, migrante indígena da Venezuela, denunciou a ameaça de remoção forçada enfrentada por sua comunidade, estabelecida há quase dez anos no Brasil. Relatou episódios de xenofobia, discriminação e dificuldades de acesso a serviços públicos, agravados pela falta de reconhecimento como povo indígena. Apesar das adversidades, o grupo mantém viva sua cultura, língua e artesanato com a palma de brichi. Em sua fala, destacou a importância do reconhecimento. “Somos tratados como se não fôssemos humanos. Mas somos. Somos indígenas”, disse.
Educação
As lideranças indígenas trouxeram à escuta ativa uma série de reivindicações relacionadas à educação, revelando os desafios estruturais e pedagógicos enfrentados nas comunidades. A gestora Greice Rocha, da Escola Estadual Indígena Tuxaua Luiz Cadete, na comunidade Tabalascada, destacou que o deslocamento da equipe até os territórios representa um gesto de respeito e compromisso com a realidade local: “O deslocamento até nosso território, a base, para realizar essa escuta ativa, mostra respeito e compromisso com nossa realidade”.
Entre as demandas, o coordenador comunitário Lucas Alexandre apontou a necessidade urgente de reformas nas escolas, construção de refeitórios e ampliação das salas de aula, relatando que “as crianças fazem suas refeições em um espaço improvisado, construído pela própria comunidade”. Já a professora Edith da Silva Andrade, do povo Macuxi, defendeu a valorização da educação bilíngue e dos saberes tradicionais, afirmando que “aprender a plantar maniva, fazer caxiri, beijus, farinha, isso também é aprendizagem”.
Outras educadoras reforçaram a urgência da presença de cuidadores para alunos com deficiência e denunciaram a limitação física das salas, muitas vezes incompatíveis com o número de estudantes. Também foi enfatizada a importância de uma educação inclusiva, articulada à autonomia das famílias na formação dos estudantes. Por fim, reivindicaram mais formações e capacitações para os profissionais da base, como estratégia para fortalecer a prática docente e garantir o cumprimento da legislação que rege a educação indígena.
Trabalho infantil
Os relatos das lideranças indígenas também evidenciam a urgência de enfrentar o trabalho infantil nas comunidades, associando essa violação de direitos à fragilidade das condições educacionais. A vice-Tuxaua Tatiana ressaltou o papel ativo das lideranças locais no combate ao problema: “Estamos na linha de frente, atentos a isso”. A professora Rosane Cadete reforçou a gravidade da situação ao relatar casos concretos de exploração: “Já saí de casa às seis da manhã e vi crianças indo de bicicleta para trabalhar em lavouras”.
Estrutura social
Os indígenas revelaram ainda um cenário de adoecimento coletivo causado pela ausência de políticas públicas efetivas. A coordenadora geral da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), Gabriela Nascimento Peixoto, alertou para o esgotamento físico e emocional de mulheres, professoras e lideranças, que enfrentam sobrecarga sem apoio institucional. Já o advogado Vanderson Cadete Wapichana, da Comissão de Direitos Indígenas da OAB/RR, apontou que muitas comunidades seguem desassistidas, especialmente aquelas de difícil acesso, onde o atendimento básico à saúde sequer chega.
O enfrentamento à violência sexual nas comunidades indígenas também foi tratado com extrema seriedade durante a escuta. As lideranças denunciaram casos, principalmente em áreas próximas a fronteiras e cobraram ações urgentes de proteção e acolhimento às vítimas.
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Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Jonathan Ferreira
Fotos: Renard Batista
