Sentença da 16ª Vara do Trabalho de Manaus ainda não é definitiva porque houve recurso
Resumo:
- O analista de negócios era alvo de comentários como "preto não chega a lugar nenhum” e "aqui não é baile funk".
- Além disso, era submetido a uma rotina de ameaças de demissão, corte de comissões e transferências de local de trabalho caso não cumprisse as metas.
- A 16ª Vara do Trabalho de Manaus deferiu o pagamento de R$ 57 mil referente a indenizações por danos morais (assédio racial e organizacional) e diferenças salariais.
Um analista de negócios que comprovou ter sofrido ofensas racistas e cobrança abusiva de metas deverá ser indenizado em R$ 57 mil. Conforme a sentença proferida pelo juiz substituto André Fernando dos Anjos Cruz, da 16ª Vara do Trabalho de Manaus, duas empresas de um grupo econômico foram condenadas de forma solidária. O magistrado enfatizou que a reparação tem caráter compensatório e pedagógico, com o intuito de corrigir a conduta do agressor e prevenir futuros casos de discriminação.
Ele aplicou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Em um dos trechos da sentença, ressaltou a necessidade de tratar o racismo como um fenômeno estrutural, responsabilizando os empregadores que não adotam medidas efetivas para coibir a discriminação no ambiente de trabalho. “O protocolo orienta que o racismo pode ocorrer de forma velada ou explícita, sendo necessário que os magistrados adotem uma postura ativa na identificação de práticas discriminatórias”, pontuou o juiz.
A condenação inclui indenizações por danos morais — R$ 33 mil por assédio racial e R$ 15 mil por assédio organizacional — e diferenças relativas ao descanso semanal remunerado sobre comissões. Devido à apresentação de recurso, o processo foi remetido para julgamento na segunda instância do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR).
Racismo estrutural e recreativo
Além de reconhecer a configuração de racismo estrutural (quando o preconceito e a discriminação racial estão consolidados na estrutura da sociedade, privilegiando determinada raça ou etnia), o magistrado também entendeu que ficaram comprovadas as práticas de racismo recreativo, em que o preconceito disfarçado de piadas perpetua estereótipos racistas. Consta do processo que os superiores do trabalhador, um homem negro natural do Rio de Janeiro, faziam comentários como "preto não chega a lugar nenhum" e “pensa que aqui é baile funk”.
Uma testemunha confirmou as alegações do autor e revelou também ter sofrido racismo estrutural dentro da organização. A sentença destacou, ainda, a omissão do empregador diante das denúncias de discriminação no ambiente de trabalho.
Assédio organizacional
O ex-empregado relatou que, diante da busca incessante por metas, seus superiores utilizavam métodos coercitivos para pressionar a equipe, incluindo ameaças de demissão, corte de comissões e transferências de local de trabalho. Ele também foi alvo de insultos como “incompetente”, “preguiçoso” e "não serve para nada".
Durante reuniões, vídeos motivacionais eram exibidos, associando personagens preguiçosos aos empregados que não cumpriam as metas estabelecidas. As provas apresentadas no processo mostraram que o assédio organizacional era uma prática comum contra a equipe, resultando no afastamento de uma funcionária devido a sérios problemas psicológicos.
Entenda o caso
Em dezembro de 2024, o autor deu entrada em uma ação no TRT-11 contra duas empresas que formam o grupo econômico. Embora tenha sido contratado pela primeira empresa, de março de 2022 a janeiro de 2023, alegou que prestava serviços exclusivos para a segunda, a qual exerceria atividades de instituição financeira.
Na petição inicial, pediu o reconhecimento de vínculo empregatício com a segunda empresa, o consequente enquadramento funcional como financiário, o pagamento de horas extras, diferenças salariais, comissões, indenizações por danos morais decorrentes de assédio moral e racial, honorários advocatícios e a concessão de justiça gratuita. As empresas se defenderam de forma conjunta, negando todas as alegações e pedindo a improcedência da ação.
Com base nas provas apresentadas, o juiz reconheceu a ocorrência de assédio racial e organizacional, além de deferir o pagamento das diferenças relativas ao descanso semanal remunerado sobre comissões. Contudo, o pedido de reconhecimento de vínculo com a segunda empresa foi rejeitado, razão pela qual foram julgados improcedentes os demais pedidos.
Sobre os Protocolos da Justiça do Trabalho
Em 19 de agosto de 2024, a Justiça do Trabalho lançou três Protocolos para Atuação e Julgamento, que são instrumentos para superar as desigualdades e todas as formas de discriminação. Os documentos apresentam orientações claras e práticas para a magistratura, servidoras e servidores e também recomendações para advogadas e advogados.
Processo n. 0001643-74.2024.5.11.0016
#ParaTodosVerem: arte gráfica nas cores roxa e branca, com a imagem de um homem negro de perfil, com a cabeça baixa, sugerindo sofrimento. No canto superior direito, logo e dizeres CAMPANHA DO TRT-11 DE COMBATE AO ASSÉDIO E À DISCRIMINAÇÃO nas cores preta e roxa.
Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Paula Monteiro
Arte: Renard Batista