Decisão aplica protocolos de julgamento com perspectiva de gênero e sem discriminação
Resumo:
• Ação trabalhista envolvendo assédio sexual envolve abusos de trabalhador e negligência da empresa.
• Além dos assédios, empregada sofreu agressões e ameaças de um colega, sem que a empresa tomasse medidas.
• O juiz aplicou protocolos e considerou dificuldades das vítimas em denunciar e provar os abusos sexuais.
A 9ª Vara do Trabalho de Manaus condenou uma empresa de serviços funerários ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais a uma ex-funcionária, reconhecendo o ambiente de trabalho hostil e a omissão da empresa diante de um caso de assédio sexual. A decisão, proferida pelo juiz do Trabalho Igo Zany Nunes Corrêa, destacou a importância da análise de casos sob a ótica do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).
De acordo com a reclamação trabalhista, a autora relatou que, além de sofrer assédio sexual por parte de um agente funerário, as práticas abusivas eram de conhecimento da empresa, que não tomou providências para impedir os abusos. A decisão reconheceu que o assediador possuía histórico de comportamento inadequado com outras funcionárias e até com clientes, reforçando a negligência da empregadora.
Entenda o caso
A funcionária contou que conheceu o colega antes de iniciar as atividades na funerária, durante o velório do seu pai, ocorrido onde depois passou a ser seu local de trabalho. Foi ele quem a indicou para o serviço. Porém, nunca tiveram nenhum relacionamento amoroso, nem intimidades. Depois que começou a trabalhar na funerária, ele mudou o comportamento com ela, passando a elogiá-la constantemente e a fazer comentários inadequados sobre sua aparência. O agente funerário também se tornou ciumento e possessivo, mesmo sem ter relação nenhuma com ela.
Em petição inicial, a empregada contou que o colega de trabalho se tornou muito inconveniente, tentando beijá-la e tocar em suas partes íntimas de maneira obsessiva. Ela o repreendeu e contou o ocorrido ao superior, o que fez com que o colega ficasse com raiva dela, mesmo sem ele ter recebido nenhum tipo de corretivo ou punição por parte da empresa.
Abusos físicos e psicológicos
As investidas foram se tornando cada vez mais graves e recorrentes. Passaram a se tornar agressões físicas e até tentativa de estupro. O assediador tentou diversas vezes, dentro do ambiente de trabalho, imobilizar a colega, na tentativa de ter seus desejos sexuais atendidos. Além dos abusos físicos, o agente funerário também a ameaçava emocionalmente, pois se gabava de ter influência para conseguir a demissão da trabalhadora.
Mesmo sabendo dos abusos praticados pelo empregado, a empresa nada fez. Os relatos no processo indicam que a proprietária abordava o colaborador de maneira amistosa, sem tomar providência séria, sendo, portanto, conivente com as atitudes dele dentro da empresa.
Após uma agressão violenta por parte do colega de trabalho, a empregada registrou queixa na delegacia da mulher e realizou exame de corpo de delito, o que resultou em inquérito policial e processo por estupro.
Logo após este episódio, a empregada foi dispensada da empresa, depois de três meses de trabalho na funerária. Ela acionou a Justiça do Trabalho pedindo indenização por danos morais pelo assédio sexual sofrido dentro da empresa.
Perspectiva de gênero
Na decisão, o magistrado enfatizou a necessidade de julgar casos de assédio sexual sob uma perspectiva sensível ao gênero, considerando a dificuldade das vítimas em produzir provas diretas, e a relevância dos indícios ocorridos no ambiente de trabalho. “O contexto probatório é forte no sentido de que houve omissão da reclamada em tomar providências quanto ao comportamento do agente funerário que agiu de forma a importunar sexualmente a reclamante. Ficou demonstrado que era uma atitude comum no ambiente de trabalho e isso afeta negativamente a saúde psicológica da empregada, independente de qualquer prova nesse sentido”, afirmou em sentença.
Além do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, o juiz do Trabalho Igo Zany citou, na decisão, o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, do CSJT. O novo protocolo busca romper com a lógica tradicional de julgamento e propõe um novo jeito de julgar, levando em conta gênero, raça e outros fatores sociais nas relações de trabalho.
“O Protocolo do CJST reconhece que o assédio sexual é um problema estrutural, com raízes profundas na cultura de objetificação da mulher e nas desigualdades de poder entre gêneros”, opina o magistrado. Para ele, aplicar a lei nem sempre é suficiente para revelar a complexidade dessas relações de poder e a dificuldade da vítima em denunciar. Por isso, propõe uma abordagem sensível ao gênero, analisando cada caso de forma específica, além do texto legal.
Ele também destacou na sentença a omissão da empresa quanto ao assédio ocorrido no ambiente de trabalho. "Há uma constelação de indícios que levam a crer que a reclamante fora de fato assediada, uma vez que a conduta do assediador era conhecida e reiterada, sem qualquer reprimenda da parte reclamada, o que denota um ambiente hostil a mulheres". O juiz também determinou o encaminhamento do caso ao Ministério Público do Trabalho para investigação de possíveis práticas sistemáticas de assédio dentro da empresa.
* Esta matéria encerra a série especial Elas em Foco, idealizada pelo Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina e pela Coordenadoria de Comunicação Social. A proposta foi repercutir, durante o mês de março, decisões do TRT-11 com foco no protagonismo feminino.
#ParaTodosVerem
Homem de camisa quadriculada com punho fechado em destaque, enquanto ao fundo, uma mulher assustada levanta as mãos em defesa. Tons neutros predominam, sugerindo tensão.
Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Martha Arruda
Foto: Banco de Imagens