A sentença foi baseada em provas como áudios, testemunhos e uma denúncia escrita pela vítima.
Resumo:
• A decisão da 11ª Vara do Trabalho de Manaus reconheceu a gravidade dos atos e a omissão da empresa diante da denúncia formal.
• Além da indenização pelo assédio sexual, a decisão também reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho, e o pagamento de verbas rescisórias superiores a R$ 10 mil.
• O juiz aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, valorizando a palavra da vítima diante da violência velada e reiterada.
A 11ª Vara do Trabalho de Manaus condenou uma empresa de importação em Manaus ao pagamento de R$ 70 mil por danos morais a uma ex-empregada, vítima de assédio sexual praticado pelo sócio-proprietário da empresa. A sentença, proferida pelo juiz do trabalho Sandro Nahmias Melo, também reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho e determinou o pagamento das verbas rescisórias.
Segundo consta na ação trabalhista, a auxiliar administrativa relatou episódios de investidas físicas não consentidas, como toques íntimos, beijos forçados e comentários de cunho sexual. As denúncias foram confirmadas por testemunhas ouvidas no processo, e também por áudios gravados, além de uma denúncia escrita pela vítima e encaminhada aos Recursos Humanos da empresa.
Abuso de poder e omissão
A trabalhadora contou que o assédio acontecia, geralmente, de forma verbal, e também por gestos e olhares. Porém, em outubro de 2024, após dois anos e seis meses trabalhando na empresa, ela foi agarrada, beijada e teve suas partes íntimas tocadas pelo sócio-proprietário do estabelecimento.
Mesmo após ter apresentado denúncia escrita na empresa relatando o episódio ocorrido, ela foi orientada pela supervisora a não tomar qualquer medida. “Uma omissão clara vinculada ao fato da denúncia envolver o dono da empresa”, afirma o magistrado que analisou o caso.
O juiz Sandro Nahmias, titular da 11ª VT de Manaus, destacou que os relatos da trabalhadora descrevem condutas não consentidas, envolvendo repercussões psíquicas, com a ocorrência de constrangimentos e humilhações. “A denúncia formal evidencia um abuso de poder, tanto físico quanto emocional, perpetrado por um superior hierárquico e agravado pela omissão da empresa, que, ciente dos fatos, não adotou medidas para proteger sua funcionária”, afirmou o magistrado.
Na decisão, foi aplicado o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, previsto na Resolução 492 do CNJ, que tem o objetivo proteger a mulher contra situações de violência no ambiente de trabalho, promovendo um espaço laboral seguro, inclusivo e respeitoso. O juiz destacou que a palavra da vítima, quando sustentada por outros elementos, possui valor comprobatório, especialmente em casos de violência praticada de forma velada.
Para o magistrado, a cultura da banalização e objetificação da mulher não devem mais ser toleradas. “É lamentável que em pleno século XXI, ainda se encontram no ambiente de trabalho situações em que a dignidade da mulher é colocada em xeque, ante a perpetuação de práticas que subordinam e objetificam a mulher no ambiente de trabalho. Sob o disfarce da banalização ou mesmo de transferência de culpa à vítima (bonita demais, uso de roupas provocantes), toleram-se atitudes inaceitáveis que ferem a integridade física e emocional da mulher, impedindo-lhe o pleno exercício da cidadania laboral”, afirma.
Ato de coragem
Ao analisar o caso, o juiz destacou também a coragem da trabalhadora em fazer a denúncia na própria empresa e em procurar o judiciário. Na sentença, ele citou dados alarmantes envolvendo assédios sexuais a mulheres no ambiente de trabalho. Uma pesquisa do Datafolha revelou que uma em cada quatro mulheres já sofreu assédio sexual no trabalho, expondo uma cultura que normaliza comportamentos abusivos e silencia as vítimas. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 70% das mulheres que passaram por esse tipo de violência não denunciaram, sendo o ambiente de trabalho o segundo mais comum para esses casos. Para o magistrado, a subnotificação está ligada ao medo, à vergonha e à falta de confiança na punição dos agressores, que frequentemente ocupam posições de poder.
“Não é apenas pretensão trabalhista. É ato de coragem para uma mulher assediada! Não se trata apenas de punir o agressor, mas também de responsabilizar a empresa pela omissão institucional e pela ausência de mecanismos efetivos de acolhimento e apuração das denúncias. É preciso romper com a cultura do silêncio, promover ambientes laborais saudáveis e respeitosos, e construir relações de trabalho pautadas na igualdade e na dignidade”, apontou Sandro Nahmias.
Rescisão indireta
Diante do reconhecimento da falta grave do empregador, a sentença também reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho da auxiliar administrativa, além da indenização de R$ 70 mil por danos morais. A decisão também condenou a empresa ao pagamento de todos os direitos trabalhistas. A empregada deve receber mais de R$ 10 mil referentes a aviso-prévio, saldo de salário, 13º salário proporcional, férias vencidas e multas proporcionais.
A sentença também determinou o envio de cópia integral do processo trabalhista ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e ao Ministério Público Estadual (MPE), para apuração da responsabilidade penal pelos crimes de importunação e assédio sexual, previstos nos artigos 215-A e 216-A do Código Penal. A ação tramita sob segredo de justiça para preservar a intimidade da vítima.
Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Martha Arruda
Foto: Banco de imagens