Evento marcou o lançamento da Cartilha de Direitos LGBTQIAPN+ com foco na conscientização jurídica e cidadania da comunidade no contexto amazônico

526Com o objetivo de debater avanços, lacunas e perspectivas na construção de uma Justiça mais inclusiva, o 1º Ciclo pelo Orgulho e pela Diversidade no Poder Judiciário do Amazonas foi realizado nesta quinta (17) e sexta-feira (18), no Fórum Trabalhista de Manaus. Sob o lema “Construindo espaços de respeito, oportunidades e visibilidade para pessoas LGBTQIAPN+”, o evento promoveu a mesa-redonda “Visibilidade, Vozes e Vivências nas Comissões”, que contou com a presença de autoridades do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR), Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) e do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM).

Representando o Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBTQIAPN+ do Amazonas (CECOD-AM) e a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (ASSOTRAM), a historiadora Michele Pires Lima ressaltou ser extremamente importante essa iniciativa promovida pelo Judiciário. “Realizar esse tipo de evento, especialmente pelo Poder Judiciário, é extremamente significativo. Essas instituições ainda carregam resquícios de uma perspectiva conservadora, então, fazer isso é derrubar mais um obstáculo, reafirmando o compromisso com a pluralidade e a diversidade humana”, destacou.

Mesa-redonda

Durante a mesa-redonda, representantes das comissões de diversidade do TRT-11, TJAM, MP-AM e TRE-AM compartilharam vivências que evidenciam o impacto direto das políticas de inclusão em suas respectivas instituições. A juíza do TRE-AM Mônica Cristina Raposo da Câmara Chaves do Carmo destacou o papel transformador da educação no enfrentamento ao preconceito: “Tudo começa com uma base de respeito. Antes de julgar ou agir, sempre penso: eu gostaria que fizessem isso comigo?”. Ela alertou para o agravamento das práticas discriminatórias nas escolas e defendeu uma abordagem mais acolhedora nas instituições de ensino. 527Representantes das comissões de diversidade do TRT-11, TJAM, MP-AM e TRE-AM durante mesa-redonda

Em um relato pessoal, a promotora Karla Reis do MP-AM compartilhou sua vivência como mulher preta, periférica e bissexual, enfatizando que suas identidades não podem ser dissociadas do exercício da função pública. “Ser quem eu sou é o que me permite atuar com responsabilidade e representatividade”. Ela também reprovou atitudes institucionais que buscam silenciar ou ignorar a sexualidade e gênero dos agentes públicos: “Não é vitimização reconhecer nossos marcadores. E ninguém tem o direito de nos calar por sermos quem somos”, destacou.

O juiz do Trabalho Igo Corrêa trouxe à tona o impacto da passabilidade e das violências simbólicas naturalizadas, exemplificando com frases como “você nem parece gay”: “Eu quero parecer mais ainda. Porque ocupar esse espaço com autenticidade é um ato político”. Já o juiz do Trabalho André dos Anjos reforçou que o evento foi fruto da mobilização de comissões voltadas ao enfrentamento ao assédio e à discriminação, e destacou o papel das parcerias com iniciativas da sociedade civil, como o Coletivo Empregay e o Casarão de Ideias. “Estamos aqui para mostrar que existimos, que temos voz, e que não estão falando sobre nós, estão falando conosco”, enfatizou.

Encerrando a rodada, o servidor do TJAM Rodrigo Melo apontou a importância das normativas institucionais, como as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e defendeu sua efetiva implementação: “As políticas públicas precisam sair do papel para que a cultura institucional se torne realmente inclusiva e respeitosa”.

Direitos LGBTQIAPN+

524Lançamento de cartilha informativa voltada à comunidade LGBTQIAPN+O evento contou ainda com o lançamento de uma cartilha informativa voltada à comunidade LGBTQIAPN+, elaborada por estudantes da pós-graduação em direito da Ufam. O material reúne informações sobre direitos, cidadania e proteção jurídica das diversas expressões de identidade de gênero, com foco especial nas realidades amazônicas. A iniciativa reforça o papel da universidade na promoção da equidade e no fortalecimento de vínculos entre instituições públicas e sociedade civil. O material está disponível em versão digital.

A cartilha é fruto direto da disciplina “Corpos Marginalizados e a Violação de Direitos Humanos”, ministrada no programa de mestrado em direito. Segundo o coordenador do curso, professor Thiago Galeão, o conteúdo reflete uma atividade de impacto social que ultrapassa os limites da academia. “Precisamos ir além dos muros acadêmicos. Os debates e reflexões que ocorrem dentro da pós-graduação devem alcançar a sociedade. Esta cartilha é um exemplo disso”, afirmou. CONFIRA A CARTILHA AQUI.

Conquistas e lacunas na Justiça

A palestra do professor doutor Paulo Iotti com o tema “Direitos LGBTQIAPN+ no Brasil: Conquistas, Lacunas e Caminhos” ofereceu uma análise sobre os avanços e os desafios na efetivação dos direitos. Ele abordou questões como a exclusão de homens gays na doação de sangue, a censura de gênero nas escolas, e os fundamentos jurídicos que permitiram ao Supremo Tribunal Federal (STF) equiparar a LGBTfobia ao crime de racismo. Para Iotti, essa equiparação representa uma resposta constitucional à violência simbólica e estrutural sofrida por pessoas LGBTQIA+: “Criminalizar a homofobia não é ampliar arbitrariamente o conceito de racismo. É reconhecer, como o Supremo fez, que a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ opera como uma prática racista, política e socialmente construída para excluir”, afirmou. 525Professor doutor Paulo Iotti palestrou sobre Direitos LGBTQIAPN+ no Brasil

O professor também criticou o retrocesso provocado pelo parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), que limita o acesso ao bloqueio puberal e à hormonização de adolescentes trans, defendendo que restrições desprezam a dor e os direitos de pessoas trans e intersexo. Ao final da exposição, fez uma defesa da atuação do Judiciário como instância fundamental na conquista da cidadania plena para essa população: “Só não somos cidadãos e cidadãs de terceira classe porque o Judiciário tem tido coragem de enfrentar a tirania da maioria e reconhecer nossos direitos, mesmo quando o Congresso se omite ou é hostil”, argumentou.

Justiça com perspectiva de gênero

O juiz Saulo Góes Pinto do TJAM apresentou a palestra “Formulário Rogéria: Um Instrumento de Justiça com Perspectiva de Gênero e Diversidade”, enfatizando a importância da ferramenta como mecanismo de escuta qualificada e proteção à população LGBTQIAPN+. De acordo com ele, o formulário, instituído pelo CNJ, tem como objetivo registrar situações de risco e violência com sensibilidade às identidades de gênero e orientações sexuais, promovendo encaminhamentos adequados e humanizados dentro do sistema de Justiça.

522Juiz Saulo Góes Pinto enfatizou a importância da ferramenta como mecanismo de escuta qualificada e proteção à população LGBTQIAPN+O magistrado ressaltou que o instrumento representa um avanço na forma como o Judiciário acolhe pessoas LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade. “O Formulário Rogéria não é apenas um documento, é uma porta de entrada para que essas pessoas sejam vistas, ouvidas e protegidas com dignidade. Ele nos obriga a olhar para cada caso com atenção às especificidades, rompendo com práticas genéricas que ignoram a diversidade humana”. Também compartilhou experiências de aplicação do formulário em contextos prisionais e institucionais, reforçando seu potencial transformador na promoção da equidade e da justiça social no Amazonas.

Justiça Inclusiva e Transformadora

Em seguida, o professor doutor Denison Aguiar, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), apresentou a palestra “Olhares da Justiça Inclusiva e Transformadora: entre direito, gêneros e diversidade sexual”, propondo uma reflexão crítica sobre os limites da atuação jurídica diante das complexidades da vida real. Segundo ele, o problema da exclusão não está apenas na ausência de leis, mas na forma como elas são interpretadas por operadores do direito. 523Professor Denison Aguiar defendeu uma Justiça sensível às vivências plurais

“Nosso problema como causa é cultural, machismo, misoginia, preconceito, discriminação. O problema jurídico é consequência”, afirmou. Para Aguiar, é preciso que magistrados e promotores reconheçam que a Justiça não pode se limitar a uma leitura formalista da norma, mas deve incorporar escuta, acolhimento e sensibilidade às vivências plurais. 

O pesquisador também abordou casos concretos que desafiam a lógica binária e heteronormativa do sistema jurídico, como o exemplo de homens que se identificam como heterossexuais, mas mantêm relações afetivas e sexuais com outros homens, com o consentimento de suas famílias. “O silêncio é a forma como essas complexidades sexuais são vistas. Mas não dá mais para silenciar”, declarou. Denison defendeu que a justiça precisa ser capaz de escutar o “grito sutil” daquilo que o sistema insiste em calar, e que a formação jurídica deve incluir capacitação sobre gênero, sexualidade e direitos humanos.

Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Jonathan Ferreira
Fotos: Koynov Romen / Chico Batata

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